Um dos pressupostos nodais da democracia é a participação política do povo, que tem no sufrágio universal a sua principal forma de expressão política. O sufrágio ativo (sufrágio stricto sensu) e passivo (elegibilidade), considerados como tais, respectivamente, o direito de votar e o direito de ser votado, representam o núcleo central dos direitos políticos, sem os quais não haverá falar em democracia. Dito de outro modo: não há direitos políticos sem democracia e não há democracia sem o resguardo dos direitos políticos. É dessa maneira que, no regime democrático, as eleições cumprem um papel fundamental: é principalmente por meio delas que o povo irá expressar a sua soberania política. O Direito Eleitoral brasileiro, diante disso, é o encarregado de disciplinar a democracia em sua manifestação política, garantindo, a partir do assentamento das regras do jogo eleitoral, a realização de eleições livres, autênticas e periódicas, expressão primeva do ideário democrático. O catedrático espanhol Manuel Aragón1, nesse mesmo desiderato, considera que o direito eleitoral é um instrumento de garantia da democracia, isto é, uma técnica jurídica a partir da qual se pretende assegurar a certeza na outorga da representação popular. Para o autor “somente merece o nome de direito eleitoral aquele que, baseando-se no sufrágio universal, igual, livre, direto e secreto, garanta a livre concorrência e a igualdade de oportunidades na contenda eleitoral, assim como a confiabilidade dos resultados produzidos nas votações”2. Já para Vallés y Bosch3 o direito eleitoral representaria o conjunto de disposições jurídicas que se aplicam ao processo eleitoral. Para os autores, tais disposições “são, portanto, as normas constitucio-nais, administrativas e penais que constituem as ‘regras do jogo’: quem pode ser eleitor, quem pode ser candidato, que limite se impõe aos gastos eleitorais, que fórmula ou sistema eleitoral deve ser aplicada(o), que sanções se impõem aos infratores das regras eleitorais”4 etc. O Direito Eleitoral se afigura, pois, como o ramo do Direito Público encarregado de disciplinar, às inteiras, o processo eleitoral, abrigando todas as questões afetas ao processo de escolha da representação popular, isto é, desde as nuances relativas ao alistamento ou cadastro eleitoral, até a diplomação dos eleitos, sendo o verdadeiro ramo do conhecimento jurídico vetor do rico processo de sufrágio da representação política. Na dicção de Jorge Miranda5, a eleição política é uma força de seleção, ou seja, uma atividade pluripessoal, que envolve também destinatários plurais e a possibilidade de opção entre os eleitores. Dito de outro modo, as eleições representariam um “ato coletivo, no âmbito do qual há a soma de vontades direcionadas num mesmo sentido para a produção de um efeito de direito, ou seja, a designação dos governantes”6. Considerando a impossibilidade de os cidadãos exercerem por si o poder político, as democracias modernas se afiguram como representativas. Assim, revela-se como indispensável a realização de eleições livres e periódicas, possibilitando, dessa maneira, que o povo designe os seus representantes. Nesse prisma, o Direito Eleitoral desponta como o ramo jurídico responsável pela disciplina desse importante processo, de modo a assentar, geral e indiscriminadamente, as regras do jogo eleitoral. É, o Direito Eleitoral, portanto, a disciplina que irá pôr à mesa as cartas-bases do processo de escolha da
representação popular, albergando, exemplificativamente, a sistemática afeta ao sistema eleitoral, ao alistamento eleitoral, ao domicílio eleitoral, ao quadro de eleitores, votantes e candidatos, a propaganda eleitoral, financiamento das campanhas, condições de elegibilidade, causas de inelegibilidade, sistema de votação e apuração dos votos, proclamação dos eleitos, diplomação, ilícitos eleitorais, ações judiciais e recursos, crimes eleitorais e ritos correspondentes etc. Portanto, como assevera Joel Cândido7, o Direito Eleitoral “é o ramo do Direito Público que trata de institutos relacionados com os direitos políticos e as eleições em todas as suas fases, como forma de escolha dos titulares dos mandatos políticos e das instituições do Estado”8. Como ramo da ciência jurídica, o Direito Eleitoral desponta como autônomo (artigo 22, inciso I, da CF), inobstante guarde relação com ramos outros do conhecimento, notadamente com o Direito Constitucional, vez que se encontra umbilicalmente vinculado a pressupostos constitucionais que dizem com o regime político adotado no país (democracia)9, e os sustentáculos daí decorrentes (soberania popular, participação popular, representação, sufrágio universal)10, sendo, pois, a Constituição, a respectiva base jurídica, como não poderia deixar de ser, registre-se. Pois bem. Em que pese o Direito Eleitoral represente o ramo do Direito brasileiro encarregado da disciplina do processo de escolha da representação popular, e que tal mister requeira, sobremodo, um sistema pacífico que propicie um mínimo de segurança jurídica, não é assim que as “coisas” vêm caminhando nos últimos tempos. Com efeito, a cada eleição que se avizinha, basicamente, o arcabouço normativo eleitoral vem sofrendo sistemáticas reformas, desde aquelas de caráter superficial, até aquelas com profunda densidade, a ponto de haver, aliás, certa indefinição do próprio sistema. Noutras palavras: as reformas são tantas que a calmaria inexiste. A cada eleição, pode-se dizer, há um novo regramento. E isso pode ser um problema, sobretudo se considerarmos, também, que a própria jurisprudência em matéria eleitoral apresenta incontestável mutabilidade, ou, para ser ainda mais claro, insegurança, alcançando casos, aliás, de manifesta incoerência. De qualquer forma, ainda que esta crítica não seja o centro da nossa proposta, impende salientar, de certa maneira, que o regramento a ser aplicado nas eleições de 2018 se encontra imerso nesse escopo. Com efeito, em meados de setembro do ano pretérito, foi sancionada pelo Presidente da República e promulgada pelo Congresso a chamada “reforma eleitoral” (Leis n° 13.477 e 13.488/2017 e Emenda Constitucional n° 97/2017). Esta “reforma”, por sua vez, acabou por introduzir, suprimir e modificar vários dispositivos legais correspondentes, apanhando matérias presentes tanto no Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65) e na Lei dos Partidos Políticos (Lei n° 9.096/95), quanto na Lei Geral das Eleições (Lei 9.504/97). Tais inovações legislativas, como veremos, foram plurais. Considerado, então, o respeito ao chamado princípio da anualidade da lei eleitoral (CF, art. 16)11, serão elas aplicadas no pleito eleitoral a ser realizado no corrente ano (as eleições gerais de 2018). Daí, considerando que o processo eleitoral de 2018 se avizinha, e à luz da recente reforma legislativa introduzida em matéria eleitoral, é que o Barcelos Alarcon Advogados (Brasília-DF) apresenta aos atores eleitorais este guia eleitoral e processual eleitoral, com o objetivo de que o conteúdo sirva como um importante meio de consulta para todos aqueles que de alguma forma estarão envolvidos no escrutínio vindouro. Nossa intenção é auxiliar e facilitar a atuação de advogados, contadores, partidos políticos, coligações e candidatos, na crença de que um conhecimento consolidado acerca da sistemática jurídico-eleitoral contribuirá seguramente para o transcurso de um processo eleitoral verdadeiramente democrático. Para tanto, de acordo com os textos constitucional e legais vigentes, bem assim de acordo com as Resoluções do TSE, dividiremos os temas a serem abordados em blocos, cada qual com o respectivo desenvolvimento. São eles: escolha e registro de candidatos; propaganda eleitoral; pesquisas eleitorais; arrecadação e gastos de recursos para fins eleitorais e prestação de contas; condutas vedadas aos agentes públicos; ações eleitorais e prazos processuais.
Anderson Alarcon
Guilherme Barcelos